quinta-feira, 14 de abril de 2011

Controle de armas: uma política de segurança pública



Nesse momento de tristeza e indignação, em que todos nós do Instituto Sou da Paz compartilhamos nossa dor e solidariedade com os familiares e amigos das vítimas de Realengo, queremos, também, contribuir para que a comoção e o debate em torno da tragédia sejam catalisadores de mudanças necessárias e urgentes. Limitar o debate às possíveis motivações para o crime, ou sobre como parar uma pessoa armada, é desviar o foco da questão mais importante. Precisamos discutir como reduzir e fiscalizar melhor o acesso às armas de fogo, munições e aos acessórios que podem transformar um momento de insanidade em um massacre.
Para consumar a tragédia, o atirador de Realengo obteve, por meios ilegais, duas armas de fogo de calibre permitido no Brasil. Uma das armas, de calibre 32 da Rossi, empresa da Taurus – mostra como o mito de que existem armas do bem e armas do mal não se sustenta. A arma foi comprada por um dito cidadão de bem e roubada. Não só não protegeu seu dono como ameaçou a sociedade. Este caso só é isolado na gravidade de seu desfecho. Todos os anos milhares de armas passam das mãos de cidadãos honestos para criminosos. O crime também se alimenta de armas desviadas de empresas de segurança privada – segundo a Polícia Federal, desde 2003, mais de 17 mil armas foram extraviadas – e de arsenais do Estado e fóruns – onde, segundo o CNJ, existem mais de 41 mil armas de fogo apreendidas em processos judiciais e armazenadas em um padrão.
Ao contrário do que supõe o imaginário sobre violência armada, a maior parte das armas que vitimam 96 brasileiros por dia são brasileiras. Por essas razões é crucial não só que se reduza o número de armas em circulação, mas também que se controle rigorosamente a indústria e o mercado legal de armas no país.
Um recarregador como o usado pelo atirador de Realengo, custa R$30,00 e pode ser comprado pela internet. Apesar de haver restrições à compra de armas, os únicos lotes de munições marcados são aqueles destinados às forças de segurança, mas ainda assim essa marcação não é satisfatória pois é feita em lotes muito grandes, de 50.000 unidades. Não há nenhuma marcação nas munições vendidas para cidadãos comuns – o que é um absurdo, ainda mais considerando-se a estimativa de que, no Brasil, 14 das 16 milhões de armas de fogo em circulação, estão nas mãos de civis. Isto seria importante para evitar que pessoas como Wellington tivessem acesso a tanta quantidade de munição – e, ainda, para se desvendar de onde veio toda a munição de que ele dispunha.
Desde 2003, o Brasil conta com uma das mais completas leis de controle de armas do mundo, o Estatuto do Desarmamento, que prevê o controle rigoroso de todas as fases da circulação de armas e munições no Brasil – de sua produção até eventual destruição. Com a proibição do porte para civis e a determinação de critérios mais rigorosos para a venda de armas, o Estatuto fez com que os homicídios no Brasil caíssem pela primeira vez em 13 anos. Mas nem todas as medidas previstas na lei saíram do papel; se queremos aprender algo com a história recente, temos de voltar a colocar o controle de armas no topo da agenda das autoridades públicas e fazer com que o Estatuto seja totalmente implementado. Para isso, é preciso que:
- O Exército e a Polícia Federal respeitem a lei e criem um banco de dados único sobre armas no país, facilitando as investigações e o rastreamento de armas e munições.
- A indústria marque suas armas e munições com o que há de mais avançado em tecnologia, permitindo que qualquer arma e qualquer munição possa ser identificada ao ser usada.
- O Exército e a Polícia Federal fiscalizem com mais rigor grupos que podem usar armas: atiradores, colecionadores e caçadores, além de empresas de segurança privada, para evitar desvios e abusos.
- No Congresso Nacional, os membros da bancada da bala parem de propor projetos para conceder porte e flexibilizar critérios para compra de armas. E que os demais congressistas se empenhem em defender o Estatuto do Desarmamento.
- O Ministério da Justiça promova campanhas de entrega voluntária de armas, investindo maciçamente em divulgação e na ampliação dos postos de entrega.
- O Exército promova destruições de armas e munições de forma mais rápida e eficiente.
- Os estoques de armas e munições estejam efetivamente protegidos contra desvios.
Por último, e talvez o mais importante, precisamos que cada vez mais pessoas percebam que ter armas não traz segurança, que difundam essa mensagem e estimulem as pessoas a entregar suas armas de fogo o quanto antes. Quanto menos gente boa armada, menos criminosos armados. E quantos menos armas disponíveis, menos acidentes, mortes banais, brigas passionais e outros episódios que povoam nosso noticiário todos os dias.
Evitar novos massacres está, a partir de agora, nas mãos de todos nós.

Fontes Instituto Sou da Paz

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